Com a independência, em 1975, Angola herdou uma economia colonial dependente do petróleo e diamantes, com a agricultura (café, algodão, sisal) e indústria em colapso devido ao êxodo de parte significativa da população. A primeira grande avaliação da situação económica do país, é feita em 1989, por uma equipa multidisciplinar e transnacional, no quadro de uma missão do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento).
Filipe Correia de Sá
O relatório resultante começa por caracterizar o país referindo “as enormes distorções e a fraca prestação desde a Independência em 1975”, apesar dos seus “abundantes recursos naturais, e o rápido desenvolvimento do sector petrolífero (que providenciou cerca de 2 mil milhões dólares de exportações em 1985)”. Três factores são identificados para explicar estes problemas:
- A guerra contínua contra a UNITA e a África do Sul, que tornou as zonas rurais demasiado inseguras para a produção e transporte de produtos agrícolas, e exigia gastos militares pesados (contribuindo para défices fiscais cronicamente grandes), e destruiu uma parte substancial das infraestruturas económicas e sociais e a capacidade de produção;
- Restrições de recursos humanos excepcionalmente severas, devido ao exôdo maciço de colonos portugueses na independência a resultante escassez de mão de obra qualificada;
- Deficiências na gestão económica e políticas inadequadas, com o relatório do PNU a exemplificar com “ineficácia do planeamento central e controles administrativos generalizados, incluindo a locação administrativa de divisas estrangeiras com base numa taxa de câmbio fixa e supervalorizada, preços controlados para grande parte de bens e serviços com diferenças de 40:1 entre os preços do mercado oficial e do paralelo, controlo inadequado sobre as finanças governamentais, empresas públicas ineficientes e uma geralmente distorcida estrutura de incentivos para produtores e consumidores”. A queda dos preços do petróleo que começou no final de 1985 agravou a situação aumentando o défice orçamental ao mesmo tempo que reduzia a capacidade do governo de importar insumos essenciais e bens de consumo (especialmente para a populaçao urbana).
A situação de guerra que se instalou no pós-independência criou o caos, insegurança e incerteza, e a maioria dos portugueses (incluindo seus descendentes já nascidos em Angola) que geriam a economia abandonaram o país na segunda metade de 1975. Essa partida, em massa (cerca de 300 mil pessoas), juntamente com as rupturas da economia causadas pela guerra, provocaram reduções pronunciadas nas actividades produtivas. Na sequência do conflito de 1975-76, a economia estava devastada. As infrastestrutras económicas estavam destruídas. Milhares de propriedades agrícolas e empresas foram abandonadas pelos seus gestores e proprietários, que levaram consigo todos os bens que puderam transportar. Alguns sectores da economia, como as indústrias do café e dos diamantes, perderam também a maioria da mão-de-obra africana, porquanto as pessoas regressaram às suas zonas de origem ou migraram para áreas urbanas em busca de segurança. Entre 1974 e 1976, todos os sectores da economia passaram por reduções pronunciadas (chegando a cerca de 100%). Além disso, o exôdo em massa dos comerciantes do interior destruiu o sistema rural tradicional de comércio, forçando os camponeses a reverter para a agricultura de subsistência, enquanto o governo recorria às importações para alimentar as populações urbanas.
Calcula-se que de 1973 a 1978, o declínio da produção de café foi de 68%, e entre 80 e 90 por cento em outras colheitas agrícolas, 72 por cento na produção bruta de manufactura, 85 por cento em diamantes, etc. A industria petrolífera, que desempenha um papel chave na economia também foi severamente afectada.
1975-1991: Independência, estatização e bases da economia planificada
- Política económica marcada por nacionalizações e planeamento central;
- Ruptura das cadeias comerciais coloniais e perdas de capital humano e técnico;
- Agricultura regressa à subsistência em muitas regiões;
- Dependência inicial crescente do petróleo como fonte de receitas;
- Efeitos: baixa produtividade não petrolífera, fragilidade de receitas fiscais.
Após a independência em 1975, o MPLA implementou um modelo económico centralizado e socialista – com nacionalização de bancos, indústrias e grandes propriedades agrícolas – enquanto o país caía rapidamente numa guerra civil que durou décadas.
Do conflito resultou a ruptura das cadeias comerciais coloniais e perdas de capital humano e técnico. Em muitas regiões a agricultura regressou à subsistência. O Estado passou a depender cada vez mais das receitas petrolíferas e diamantíferas para financiar o aparelho público e o esforço militar. A guerra impedia que as populações, que praticavam uma agricultura de subsistência, pudessem evoluir para um estádio mais avanço da produção agrícola. Nessa circunstâncias as infraestruturas e capacidades produtivas ficaram fortemente degradadas.
Neste ponto, justifica-se uma nota, um parêntises, sobre a questão da agricultura de subsistência, várias vezes referida em estudos e relatórios das organizações internacinais, citadas ou usadas como fonte neste artigo, nomeadamente, o PNUD. Os especialistas e historiadores referem-se à agricultura não industrial (tradicional) praticada nas zonas rurais como agricultura familiar e, como refere Fernando Pacheco, no seu artigo “O contexto histórico da agriculturam desafios e perspectivas”, publicado nesta edição, “não é verdadeira a ideia de que a agricultura “tradicional” ou endógena deva ser considerada como sendo de subsistência. Como assegura a historiadora Conceição Neto, a maioria das sociedades rurais NÃO (sic) vivia em ´economia de subsistência, nem antes, nem durante o domínio colonial. A produção de excedentes e o comércio estão bem documentados, historicamente.“
Para fins de melhor contextualização, a agricultura de subsistência caracteriza-se pela produção destinada maioritariamente ao próprio sustento familiar, empregando técnicas tradicionais e baixo nível tecnológico. Por outro lado, o conceito de agricultura familiar é mais amplo, abarcando o modelo de gestão e trabalho exercido pela família na propriedade, podendo incluir ou não práticas de subsistência. A família agricultora pode ter como finalidade tanto o autoconsumo quanto a comercialização dos excedentes, ou ainda direcionar a sua produção integralmente ao mercado.
Terminado o parêntises, retomemos o fio à meada: depois destas abruptas contracções económicas, registou-se alguma recuperação da produção total nos anos subsequentes, embora com flutuações. Estima-se, no entanto, que durante o primeira década pós-independência (1975-1985) a média de crescimento real provavelmente não ultrapassou 1% por ano. O PIB per capita era certamente muito mais baixo do que o do fim do período colonial.
O estabelecimento de um sistema económico socialista, baseado no planeamento central, nacionalização de uma grande proporção de empresas produtivas, e rigoroso controlo das actividades económicas, foi determinado não só pela ideologia oficial, mas também, em larga medida, pelas condições prevalecentes depois da independência.
Imediatamente após a independência, o maior objectivo do Partido era o de recuperar a produção em vez de estabelecer uma economia totalmente socialista. Não se tentou a colectivação dos agricultores nem a nacionalização generalizada das empresas. O facto de grande número de activos produtivos, tanto agrícolas como industriais, acabarem nas mãos do governo, ocorreu, em grande parte, devido ao abandono pelos seus proprietários anteriores. A Lei da Intervenção Estatal (3/76), que nacionalizava formalmente estas empresas privadas e a lei subsequente sobre o Investimento Externo (10/79) atribuiam um papel significativo ao sector privado. A resolução inicial sobre a política económica aprovada pelo Comité Central em Outubro de 1976, um ano depois da independência, estabelecia que uma economia socialista com planeamento centralizado (“com a agricultura como a sua base e a indústria como factor decisivo”) era um objectivo estratégico mais do que um objectivo imediato. Contudo, a adopção da planificação centralizada e dos mecanismos de controlo administrativo consolidou-se de forma significativa nas estruturas do Partido e do Governo.
Um problema surgiu nos primeiros dias da independência relacionado com o papel dos trabalhadores na gestão das empresas. Comissões de bairro e de trabalhadores participavam cada vez mais na gestão, principalmente nas empresas que tinham sido abandonadas pelos seus proprietáris e que os trabalhadores mantiveram em funcionamento. Isto provocou conflitos crescentes dentro das empresas antre os trabalhadores e a gestão, o que causou muitas greves e perturbações na produção. Em face disso, o Comité Central em 1976 tomou uma importantre decisão que pôs fim ao sistema de gestão colectiva, substituindo-o com formas mais convencionais de operação de empresas. Ficou patente, no entanto, que os directores das empresas deviam ser escolhidos nas fileiras do partido e deviam ser aprovados pelo Bureau Político. As comissões de trabalhadores, organizadas pela Organização Sindical(UNTA), foram abolidas e a Organização Sindical ficou sob rigoroso controlo do Partido.
Os Congresso do MPLA em 1977 e 1985
O primeiro Congresso do MPLA em Dezembro de 1977, fez uma revisão do desempenho económico desde a independência e concluiu que o ritmo para a construção de um economia socialista devia ser acelerado através da melhoria da supervisão centralizada e planeamento da economia, dando continuidade à política de nacionalizações e confiscos, através da criação de cooperativas rurais, e outras políticas relacionados com o sector produtivo. O Congresso Extraordinário do Partido de 1980 declarou terem-se realizado progressos na aplicação das orientações anteriores com a criação de estruturas para a construção de uma sociedade socialista, mas notou a continuação de problemas.
Um atraso na elaboração do plano nacional tinha conduzido, alegadamente, ao fracasso na consecução de alguns objetivos importantes. Estes incluíam recriar um sistema de distribuição rural, restabelecer as ligações entre indústria e agricultura, e reduzir o êxodo das populações rurais para as cidades. Notava-se que o país não tinha conseguido instituir uma sistema de produção e que o montante total dos salários pagos ultrapassou largamente o volume total da produção. A existência de um mercado negro causada pelo controlo dos preços foi igualmente reconhecido. Embora as realizações específicas na produção agrícola tenha sido aclamada, admitiu-se também que na agricultura as unidades sob controlo estatal produziram apenas 12% das necessidades alimentares da população e apenas 15% das necessidades de matéria-prima das indústrias angolanas. No que diz respeito à produção industrial, aumentos significativos registaram-se na produção de vários produtos, mas reconheceu-se que a produção agregada manteve-se muito abaixo dos níveis alcançados antes independência.
No II Congresso do Partido, em Dezembro de 1985, o MPLA-PT reafirmou que Angola escolheu o caminho socialista do desenvolvimento e que o Plano Nacional devia ser o principal instrumento de gestão económica. No entanto, reconheceu-se que os resultados económicos alcançados (embora em grande parte devido à guerra e à escassez de gestores e técnicos qualificados e de tecnologia) estavam longe de ser satisfatórios e que eram necessárias mudanças importantes no sistema económico e na política económica. As orientações estratégicas aprovadas pelo Congresso exigiam uma melhoria nos métodos de planeamento socialista e uma utilização mais eficiente dos preços na gestão da economia.
No âmbito das alterações políticas aprovadas pelo II Congresso, o Comité Central do MPLA aprovou em 1987 um Programa de Saneamento Económico e Financeiro, conhecido como SEF. Este programa reafirmava que a economia de Angola deveria organizar-se segundo linhas socialistas, mas previa a introdução de alterações substanciais no sistema de gestão económica. Em particular, o SEF apelava à introdução de um papel mais importante para o sector privado, mais flexibilidade no sistema de preços, menos centralização no planeamento económico e mais autonomia para as empresas públicas. Além disso o SEF sublinhava a necessidade de uma redução do défice orçamental e uma correcção de outros desequilíbrios financeiros importantes. O SEF constituiu a transição para uma economia de mercado,mas em 1989-90, surge um novo programa governamental dedicado a reformas económicas , o Plano de Recuperação Económica (PRE) que, tal como o SEF, não alcançou os resultados esperados. O PAG – Programa de Acção do Governo veio substituir o PRE, mas teve uma implementação de curto prazo vigorando somente até ao final de 1990, e os objectivos propostos também não foram concretizados.









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